Para onde vai o Carnaval de Belo Horizonte
João Renato
05/03/2019 23h07
Público do Carnaval de BH chegou a 4,5 milhões de pessoas (Foto: Alexandre Guzanshe e Julia Lanari/PBH)
Você já sabe: o Carnaval de Belo Horizonte é um sucesso, a cidade foi tomada por multidões e os blocos da capital foram destaque em noticiários do país inteiro. Mas também é fato que a folia deste ano, que marcou uma década da retomada da festa de rua, também significou um ponto de inflexão, muito em função da proporção gigantesca que o reinado de Momo tomou na capital mineira. Apesar de toda a disposição, foi visível uma certa fadiga. A relação entre foliões e blocos, que nasceram num espírito comunitário, se tornou uma relação de consumo, com críticas sendo disparadas sobre a falta de banheiros e a dificuldade em acompanhar as baterias. Para completar, uma tentativa de censura do bloco Tchanzinho Zona Norte causou uma fricção desnecessária entre poder público e organizadores da festa. Tudo isso levanta um questionamento: para onde vai, agora, o Carnaval de BH?
Não é absurdo dizer que a festa deste ano representa um ápice. Vamos combinar: não há mais espaço para aumentar o impressionante número de 4,5 milhões de pessoas que foram às ruas. Blocos mais badalados, como o Então, Brilha!, deixaram suas concentrações originais em vias estreitas para se firmarem em avenidas largas, que ficaram completamente cheias. Não tem mais espaço para crescer. É provável, portanto, que o número de pessoas se mantenha estável nos próximos anos. Se isso significa uma estagnação ou uma bem-vinda adequação ao tamanho da cidade, só o tempo vai responder.
O Então, Brilha! teve mudar o local da sua concentração (Foto: Divulgação)
Outra preocupação é um aumento ainda maior da repressão. A festa na capital mineira, nunca é demais lembrar, surgiu na esteira de movimentos como o Carnaval Revolução, o Domingo 9 e Meia e a Praia da Estação – este último, que criticava um decreto do então prefeito Marcio Lacerda que proibia "eventos de qualquer natureza" na Praça da Estação. Os primeiros blocos, que saíram em 2010, foram reprimidos pela polícia, sob a alegação um tanto quanto absurda de perturbar o trânsito, que era inexistente durante o feriado. A prefeitura só embarcou no apoio aos foliões após muita briga, e o patrocínio oficial da Ambev ainda causa mal-estar em diversos pioneiros da festa, que criticam a mercantilização do evento. A tentativa de censura do Tchanzinho Zona Norte mostrou que a fiscalização ideológica segue em voga, e não deve parar por aí.
O fim de alguns blocos icônicos também pode ser um impacto nos próximos anos. Não que o número de grupos, que chegou a quase 700 em 2019, vá diminuir. Ao contrário, ele tende a crescer. Mas existe a chance de os organizadores de algumas das principais agremiações irem ficando pelo caminho, cansados de dar murro em ponta de faca e chateados com cobranças feitas por um público que passou a consumir – em vez de colaborar – com os desfiles. Isso, aliás, já vem acontecendo. Grupos como Cacete de Agulha, Beijo Elétrico e bloco do Amor – que distribuía os lendários adesivos de coração que eram colados no rosto – já não estão mais por aí para contar história. Sem outros blocos que estão na criação do Carnaval desde o começo, o risco é uma gradual perda de "alma" do Carnaval da cidade, deixando a festa mais pasteurizada, o que poderia levar a um colapso a longo prazo dessa retomada.
Passada a ressaca da folia, portanto, é necessária uma reflexão de todos: blocos, prefeitura e, principalmente, do público, sobre a festa que temos e a que queremos ter nos próximos anos. O que está em jogo é a própria existência do Carnaval de Belo Horizonte.
Sobre o autor
João Renato Faria é jornalista de Belo Horizonte, atualmente no jornal O Tempo, e com passagens por Portal Uai, Estado de Minas e revista Veja BH. Gosta de descobrir novidades gastronômicas pela cidade, de música pesada, de rock instrumental e novidades da cena independente. Tem a compulsão de comprar livros mais rápido do que consegue lê-los. Já pensou em se mudar de BH, mas por enquanto a cidade é o único lugar com um feijão-tropeiro decente.
Sobre o blog
A música e a gastronomia de Belo Horizonte são o foco do blog. Os posts abordam tendências sonoras, eventos, atividades de casas de shows e a movimentação da cena independente. Os textos também falam sobre as boas opções de comidas de rua, bares e lanchonetes, veteranas ou recém-inauguradas na cidade.