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Blog do João Renato

Xodó: alguém salve o milk-shake!

João Renato

26/06/2018 15h21

O milk-shake de ameixa ainda vale a pena no Xodó

Essa é daquelas notícias que todo mundo sabia que eventualmente ia chegar, mas que mesmo assim chateia quando se materializa. É verdade: a tradicional lanchonete Xodó, na praça da Liberdade, está à venda. Dono do imóvel e da casa, o grupo Bonsucesso resolveu por tudo à venda. Quem comprar o ponto onde a casa funciona há 55 anos, avaliado em aproximadamente R$ 4 milhões, também terá que manter o fast-food e o nome, mas só por um período, ainda a ser determinado.

Vale lembrar um pouquinho da história da casa. Inaugurado em 1962, o Xodó foi o primeiro lugar da cidade a oferecer receitas norte-americanas: hambúrguer, banana split e milk-shake. Não tão americano assim, o beirute também era um dos campeões de venda. O sucesso foi imediato. Ainda se liberando do ambiente socialmente reprimido da primeira metade do século, a juventude belo-horizontina transformou o Xodó em ponto de encontro e paquera. A chegada do McDonald's em Belo Horizonte, nos anos 1980, transformou a cozinha da praça da Liberdade, que passou a se espelhar no similar americano.

Durante um tempo, inclusive, o Xodó e o Bang Bang Burger (outra casa de sanduíches de BH) tentaram brigar de igual para igual com o gigante norte-americano, e chegaram a ter filiais nos shoppings da cidade. Desde a última década, porém, o Xodó se restringe ao seu endereço original, onde é cada vez menos frequentado.

Ninguém duvida que, diante da iminente troca de mãos, o Xodó esteja com os dias contados. Mesmo com a tal cláusula que exige a manutenção da lanchonete por quem comprar o imóvel, ela deve ser fechada assim que for possível.

Portanto, quem quiser se despedir deve apressar o passo e fazer uma visita ao Xodó. Foi o que este blogueiro fez, assim que soube da notícia.

Não é difícil constatar o motivo das dificuldades da casa. O público parece ter se esquecido da existência da lanchonete e não foi difícil, mesmo no horário de almoço, em dia útil, conseguir um lugar para sentar. O sanduíche principal, o Big Xodó (R$ 18,99) é vagamente inspirado no Big Mac, mas fica no meio do caminho entre um hambúrguer de trailler (os famigerados podrões) e um produto de fast food, pegando as piores características de cada um. A execução deixa a desejar e o sanduíche é desajeitado, pesado e pouco apetitoso.

A onda de hambúrgueres artesanais, que poderia ter revolucionado o cardápio da casa, quase não deu as caras aqui. Até é perceptível, em algumas opções, que houve uma tentativa de modernizar o cardápio, como o Vegetariano (R$ 18,99), que pode ter hambúrguer de soja, abóbora com quinoa, lentilha ou grão de bico, ou o Xodó Premium (R$ 27,90), que combina hambúrguer de picanha no pão australiano com queijo, bacon, rúcula, abacaxi, tomate seco e molho chilli. Mas, de modo geral, as sugestões do cardápio não são de encher os olhos.

O Big Xodó é uma réplica dos sanduíches dos fast foods

Se não fosse pela nostalgia da turma jovem que frequentou o Xodó nos seus anos dourados, quase se poderia dizer que a ausência da casa não será notada. Quase. É que existe algo que ainda vale a pena ser salvo no Xodó. A pièce de resistance do cardápio, o motivo pelo qual é possível lamentar o futuro fechamento da casa: o milk-shake.

Em tempos de leites batidos horríveis, cheios de pedaços para serem mastigados, com o pavoroso ovomaltine (quem inventou que isso era bom, meu deus?), o milk-shake do Xodó é um prazer que parecia estar perdido. São sete sabores de frutas: abacaxi, maracujá, goiaba, manga, morango, açaí e o campeão de pedidos, ameixa. Os outros cinco são amendoim, baunilha, chocolate e café. É verdade, o tal do ovomaltine também está lá, mas podemos passar muito bem sem ele. Os preços também não são de assustar. O copo de 300 ml sai a R$ 12,50 e já é mais do que suficiente. Mas também existem as opções de 500 ml (R$ 15,50) e 700 ml (17,50).

Doce, gelado e aveludado, o milk-shake da casa é feito com leite de verdade e não só com o sorvete batido, como é regra nos outros fast foods. Cada gole é o equivalente a receber um abraço por dentro de um amigo que você não via há muito tempo. É bem mais adocicado do que seus similares das grandes redes, é verdade. Mas, às vezes, a vida pede uma certa doçura. Um copo destes inteiro é capaz de te transportar imediatamente ao passado lúdico de Belo Horizonte, um tempo quase infantil, onde as coisas eram mais simples e estava bom assim.

Por isso, fica aqui o apelo. Que o Xodó vai fechar, todo mundo sabe. Mas quem comprar a casa por favor mantenha, nem que seja em uma portinha, um lugar para essa receita incrível de leite batido e sorvete. O Xodó está (quase) morto. Vida longa ao seu milk-shake!

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Rua Gonçalves Dias, 1364, Funcionários
3213-2697

Sobre o autor

João Renato Faria é jornalista de Belo Horizonte, atualmente no jornal O Tempo, e com passagens por Portal Uai, Estado de Minas e revista Veja BH. Gosta de descobrir novidades gastronômicas pela cidade, de música pesada, de rock instrumental e novidades da cena independente. Tem a compulsão de comprar livros mais rápido do que consegue lê-los. Já pensou em se mudar de BH, mas por enquanto a cidade é o único lugar com um feijão-tropeiro decente.

Sobre o blog

A música e a gastronomia de Belo Horizonte são o foco do blog. Os posts abordam tendências sonoras, eventos, atividades de casas de shows e a movimentação da cena independente. Os textos também falam sobre as boas opções de comidas de rua, bares e lanchonetes, veteranas ou recém-inauguradas na cidade.

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