Café Palhares: 80 anos de um veterano de respeito e o kaol original
Em uma cidade como Belo Horizonte, que recém completou 120 anos, é admirável que qualquer estabelecimento ultrapasse um par de décadas sem cair no ostracismo. Os que conseguem costumam se tornar ícones da cidade, como o lendário Café Palhares, que completa incríveis 80 anos em 2018.
Boa parte do sucesso da casa vem da fama do prato feito servido por lá, o kaol. A história é conhecida. A sigla significa cachaça, arroz, ovo e linguiça e foi criada pelo compositor Rômulo Paes. Notório boêmio, ele trabalhava na Rádio Mineira nos anos 1940, onde hoje está a rodoviária da capital, e passava no Café Palhares, que na época funcionava 24 horas, para beber e por o papo em dia.
Entre uma bebedeira e outra, ele cresceu o olho na comida que era servida para os funcionários em um prato de papelão: uma porção caprichada de arroz, com ovo e linguiça. Ele pediu para provar e não sossegou até que João Ferreira, o seu Neném, proprietário da casa, incluísse a pedida no cardápio. Paes acrescentou a dose de cachaça e criou a sigla kaol. O 'k', segundo ele, era para dar mais "pompa" ao prato.
Com o tempo, a cachaça passou a ser opcional e o kaol foi ganhando outros ingredientes. O primeiro foi o molho de tomate, seguido da couve, da farofa e do torresmo. Além disso, a tradicional linguiça pode ser substituída por carne de panela, língua, dobradinha ou pernil.
É assim que você encontra a receita no Café Palhares de hoje, e que faz sucesso. São cerca de 500 pratos vendidos por dia. Quando se considera o tamanho um tanto acanhado do salão – são 18 lugares em torno do balcão -, o número fica ainda mais impressionante. "O primeiro acréscimo foi o molho. Antes, o kaol vinha com uma rodela de tomate, mas era uma coisa decorativa. Aí sobrava muito tomate e fomos fazendo o molho, que é um grande diferencial do prato", revela João Lúcio, filho de seu Neném e proprietário do café Palhares, junto do irmão Luiz Fernando. Depois, explica, vieram os outros acréscimos. "A couve, por exemplo, é uma coisa muito mineira, veio para dar uma equilibrada no prato e deu certo. Tanto que muita gente acha que o 'k' no nome é da couve", conta João Lúcio.
O que ninguém conta, nem o cardápio, é que o kaol na sua concepção original ainda pode ser pedido por quem tiver a curiosidade de provar a receita. Não tem muito mistério. Ao conseguir se sentar, peça seu kaol sem molho, couve, farofa e torresmo. O garçom vai olhar meio desconfiado, mas confirme que é isso mesmo. Peça também um ovo extra, já que a gema é que vai garantir uma certa suculência ao prato. Embale isso tudo, obviamente, com uma dose de cachaça. Sem os ótimos penduricalhos, o kaol original se revela na sua combinação simples de ingredientes, quase espartana: é prato de gente trabalhadora, que quer mesmo é encher o bucho, prato de quem não tem muita paciência com gourmet disso e confit daquilo, prato de quem quer aplacar uma ressaca das bravas. Ou seja, é um resumo do Brasil a cada garfada. Imperdível.Vai lá
Rua dos Tupinambás, 638, Centro.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.